Cidade do Agreste responde por 30% da produção no estado e tem marcas espalhadas pelo país
Cidade do Agreste responde
por 30% da produção no estado e tem marcas espalhadas pelo país
Santa Cruz do Capibaribe,
cidade onde nasceu a feira da sulanca, vive o auge da sua influência no cenário
de confecções brasileiro. As marcas locais se espalharam pelo país,
principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O que pouca gente sabe, até
mesmo entre os pernambucanos, é que, sozinha, Santa Cruz responde por 30% de
tudo o que é produzido no Polo Têxtil de Pernambuco, o que representa RS 2,4
bilhões por ano do Produto Interno Bruto (PIB) do estado.
Considerando que o nosso
polo é o segundo maior do país, perdendo apenas para São Paulo, é fácil chegar
à conclusão de que Santa Cruz do Capibaribe é a maior cidade produtora de
confecções em malha de todo Norte e Nordeste brasileiro e caminha para chegar,
em 2020, à maior produção de malha do Brasil, segundo dados da própria
prefeitura. Nem a seca afeta a produção local, já que a maioria das fábricas de
Santa Cruz não depende de água para lavagem do jeans, como a vizinha Toritama.
A cidade é quase um oásis produtivo em meio ao deserto do Agreste pernambucano.
Até a feira da sulanca, que ficou conhecida em todo o país, foi a primeira a se
modernizar. Há dez anos se transformou no Moda Center Santa Cruz, hoje, o maior
centro atacadista de confecções do Brasil. Uma em cada cinco cidades
pernambucanas possui empreendedores no espaço, que reúne 11 mil boxes, de 54
localidades produtoras. A gestão é feita pelos próprios feirantes, com recursos
do pagamento de taxas mensais.
Em sua trajetória, o Moda
Center vem registrando um aumento de 10% nas vendas por ano. Índice repetido no
ano passado e uma estimativa de crescimento entre 8% e 10% este ano também,
independentemente da retração econômica. O espaço já recebeu, inclusive, mais
de 140 mil pessoas espalhadas em 120 mil metros quadrados de área construída em
apenas dois dias de feira. Ao todo, são 150 mil empregos diretos gerados no
local. Agora, a feira e suas principais marcas olham para o futuro e encaram a
crise econômica com investimentos e inovação.
“Já dominamos o mercado C,
D e E. Em 2017, queremos consolidar nossa atuação no mercado B e, para isso,
precisamos de formalização, automação e profissionalização das empresas locais.
Estes são os maiores desafios de Santa Cruz e de todas as cidades do polo
têxtil”, afirma Allan Carneiro, síndico do espaço. Segundo ele, a formalização
está sendo agilizada com a sala do empreendedor, montada em parceria com o
Sebrae dentro do shopping. “Em três anos, já tivemos mais de 1,2 mil inscrições
na categoria microempreendedor individual.” Apesar disso, grande parte dos
comerciantes de Santa Cruz continua na ilegalidade. O que desfavorece o
crescimento das marcas pois, com a formalização, as empresas conseguem recursos
para investir no negócio, em linhas de crédito do Banco do Nordeste e do BNDES,
e contratar mão de obra qualificada. Vale ressaltar que quase 80% de toda a mão
de obra capacitada recebe treinamento na escola do Senai no município.
Já a automação, o desafio
número dois, precisa de investimentos dos empreendedores locais em máquinas e
softwares e mão de obra especializada. E tudo isso depende muito da
formalização, uma vez que os investimentos são altos e, para tal, os
empresários precisam de crédito. Por fim, Santa Cruz enfrenta ainda a
necessidade de profissionalizar as fábricas, para atender com produtos
adequados a uma exigente classe B e encarar o aumento nas vendas do varejo, que
chega a 30% da produção. “Acreditamos que a tendência do Moda Center é vender
mais para o consumidor final, continuando também com seus clientes de atacado”,
diz Allan Carneiro. “Com a crise, as pessoas estão correndo atrás de preços
baixos para manter o consumo e é justamente isso que oferecemos”, reforça.
Rota do Mar de olho no
Nordeste
Com uma produção de 130 mil peças por mês, comercialização em todos os estados brasileiros e vendas expressivas em Portugal, Panamá e África do Sul, não dá para imaginar que a trajetória da Rota do Mar começou com a venda de picolés. Esse foi o primeiro “empreendimento” de Arnaldo Xavier, ainda criança, criador e presidente da marca. Hoje, a Rota emprega 800 pessoas, tem uma fábrica de 22 mil metros quadrados, seis outras unidades produtivas, cinco grandes lojas em Santa Cruz. do Capibaribe, Toritama e Caruaru e deverá iniciar no próximo ano um plano ambicioso de abrir mais 30 unidades em todo o Nordeste até 2022.
“Queremos ampliar nossa
atuação no varejo e chegar a locais onde já temos uma grande demanda, como a
Paraíba. Ao mesmo tempo, chegar também onde nunca estivemos e, por isso,
devemos iniciar nossas vendas online em 2017”, revela Xavier. O site já está
pronto e foi resultado de um investimento de RS 300 mil. Será um dos primeiros
projetos, nesta escala, de comércio digital de todo o polo. Os planos são
reflexo de investimentos realizados no ano passado. Em 2016, a Rota aportou
mais de RS 3,5 milhões em tecnologia e maquinário.
Para Xavier, porém, isso
não é o bastante. O empresário quer mais. Ainda neste mês, deve começar a
montar sua própria fábrica de energia solar, com um investimento de RS 500 mil
deverá suprir a necessidade do setor de estamparia da indústria. “Este ano
(2016), vamos fechar sem perdas, mas sem crescimento. É uma boa marca. E, com
estes investimentos, estamos garantindo o crescimento de 2017. Pelo menos,
10%”, completa.
A qualidade de visionário
Arnaldo Xavier já provou que tem. Ainda em seu início, após vender picolé e
ajudar a mãe na confecção dela, aos 19 anos ele costurou uma bermuda para si
próprio. Satisfeito com a peça, se juntou à sua mãe para confeccionar mais
roupas. Ela fazia a parte feminina e ele, a masculina. O negócio foi crescendo
e percebeu que o estacionamento dos clientes da antiga Feira da Sulanca, na
cidade, chegava cada vez mais perto da casa da sua mãe. “Foi quando eu propus
para ela transformarmos a sala em uma loja. Duas semanas depois, os ônibus de
turistas já estavam parando na nossa porta. Éramos o primeiro negócio que eles
viam e, em pouco tempo, a casa toda estava ocupada por nosso estoque”, relata.
A marca Rota do Mar só
surgiu em 1996 e, com esse nome, o empresário definiu o perfil da empresa:
roupas para o clima ensolarado de Pernambuco e com um toque de praia. Nestes 20
anos, porém, nem tudo foram flores. “Já quebrei duas vezes. Mas posso afirmar
que o bom empreendedor é resiliente.” Hoje, a Rota do Mar, responsável por
cerca de 20, de toda a produção de Santa Cruz do Capibaribe.
Com peças entre R$ 8,90 e
R$ 29,90, a Zuzinha Kids, criada em 1998, começou nos fundos de uma casa comum
do centro de Santa Cruz, quando o pai de Allan Carneiro trocou a produção de
redes pelas confecções. Allan ajudava costurando, quando chegava da escola. Foi
quando ele percebeu que ninguém estava fazendo moda infantil na cidade de forma
especializada e nasceu aí a ideia de um negócio neste perfil. Hoje, a marca tem
30 funcionários e 30 colaboradores terceirizados, toda a produção é
informatizada e o resultado são mais de 20 mil peças por mês entre bermudas,
camisas e shorts infantis. Há clientes em todos os estados do Nordeste e em São
Paulo e, no futuro, destinos internacionais como Cabo Verde já estão na
programação.
“Acho que, para crescer
fora do país temos que atender muito bem o mercado daqui. Queremos a produção
cada vez mais automatizada, queremos eficiência no uso dos materiais e também
estamos trabalhando as formas de comercialização para atender melhor nosso
cliente que vem aqui. Depois disso, podemos pensar em exportar”, reforça Allan.
Ele ressalta ainda que as peças mais vendidas são camisas polos, camisas
simples, moletons, bermudas e calçados, nesta ordem. “A roupa infantil tem um
diferencial que é a exigência por conforto máximo. Por isso, o tecido, a
modelagem, o desenho e as costuras recebem tratamento especial para não agredir
o corpo das crianças. Esse cuidado, faz a diferença. Só trabalhamos, por
exemplo, com 100% algodão e tudo passa por uma vistoria completa no final”,
completa.
Em 2017, a marca pretende
ampliar a produção e trabalhar com novos canais de venda. “O maior desafio da
roupa infantil é que temos por obrigação agradar a criança e a mãe, então
também devemos reforçar nosso time interno e ampliar nossa carteia de produtos.
As peças infantis têm que ser lúdicas e a mãe tem que achar vantagem. Acho que
a produção de Santa Cruz agrega muito a esse mercado, porque é algo que as
pessoas podem investir o dinheiro, que é barato. Criança muda muito de tamanho
e perde muita roupa, então o preço faz a diferença da escolha”, explica o
empresário.
Allan revela ainda que,
este ano, investiu R$ 350 mil em máquinas novas, buscando sempre modernizar a
fábrica. “Automatizando a produção, o que também é um desafio para o polo, a
gente diminui os erros e, consequentemente, o desperdício”, completa. Ele
reforça, contudo, que, apesar de ser o coração do Polo Têxtil de Pernambuco,
falta mão de obra qualificada em Santa Cruz. “Hoje, o que nos salva é a escola
do Senai. Os meninos aprendem a mexer nos programas mais modernos, a trabalhar
com softwares de desenho. A profissionalização nos poupa tempo e dinheiro e
todo o polo precisa disso para melhorar a produção.”
Conheça o Polo em Santa
Cruz
CURIOSIDADES
A primeira produção
de Santa Cruz do Capibaribe foi de alpercatas e colchas com retalhos de tecido,
em 1930;
As confecções da
cidade começaram quase por acaso, quando um fabricante de colchas recebeu
retalhos maiores que vinham, na época (1930) do Recife, Olinda e Camaragibe.
Ele resolveu fazer shorts dos retalhos e deu início à primeira produção de
roupas da cidade;
O termo sulanca foi
criado na cidade de Santa Cruz do Capibaribe para identificar as peças
produzidas com helanca vinda do Sul do país (Sul + helanca = sulanca), maioria
nas fábricas de confecções, em 1950;
As chamadas feiras da
sulanca tiveram início também em Santa Cruz, em 1960, quando as ruas Siqueira
Campos e Avenida João Francisco Aragão começaram a abrigar bancos de madeira
com peças de fabricantes locais. O nome na época, era de Feira de Capibaribe.
NÚMEROS
O Brasil é o 5º maior produtor de têxtil do mundo, perdendo apenas para China, Índia, Estados Unidos e Paquistão;
O Polo Têxtil de
Pernambuco é o segundo maior do país, perdendo apenas para o Polo Têxtil de São
Paulo;
Todas as 187 cidades
do estado produzem e comercializam no polo;
O Polo arrecada U$ 8
bilhões por ano, agrega 32 mil unidades produtivas e recebe até oito milhões de
visitantes por ano;
O Agreste pernambucano
corresponde a 77% da produção de todo o polo sendo: 38,1% de
Santa Cruz do Capibaribe, 24,1% de Caruaru e 14,8% de
Toritama;
Os principais estilos
comercializados são moda praia, fitness, bike, jeans, social, feminina,
masculina, vestidos de noiva, enxovais, cama, mesa, banho, plus size, surf
wear, moda íntima e infantil.
De carona no nome e na
moda
Um erro de etiqueta deu à
marca Camboriú, uma das mais vendidas do Polo Têxtil de Pernambuco, o nome que
tem hoje. A encomenda era para Verão e Cia e a fabriqueta de etiquetas só tinha
Camboriú no dia da entrega. O nome ficou e pegou. A ideia de fabricar moda
praia começou em 1993, quando Edjane Araújo, que era secretária, e seu marido,
José Cláudio Barbosa de Araújo, que já trabalhava com tecidos, mudaram-se de
Afogados da Ingazeira para Santa Cruz do Capibaribe. Lá, envolveram-se com as
confecções, como praticamente todos da cidade.
Hoje, a Camboriú vende
para todo o Brasil, foi uma das pioneiras do polo em vendas online, produz
cerca de 35 mil peças por mês, tem 80 funcionários e foi a primeira marca do
estado a se especializar em “moda bike”, para ciclistas, e apresentar coleções
com este tema. Além de tudo, a marca também trabalha com franquias, sendo uma
das únicas do polo a entrar neste modelo de negócio.
“Começamos fazendo moda
infantil, lingerie, moda feminina. Eu era auxiliar de produção. Aí fabricamos
pela primeira vez sungas. A demanda foi grande, porque estava perto do verão e
resolvemos focar em moda praia e fitness’’, resume Edjane. A ampliação do
mercado e a elevação do desenho das peças foi fruto de um quadro montado a
muito custo e no decorrer de vários anos. “Quando começamos, a mão de obra era
primária, as pessoas faziam o básico. Hoje, temos um designer e um estilista e,
ainda assim, sempre estamos buscando pessoas formadas junto ao Senai ou que
tenham algum curso técnico feito em outras cidades”, revela.
Uma prova dos bons
resultados dessa preocupação com o time é a aceitação da marca no Brasil, com
vendas expressivas na Bahia, Sergipe, Piauí, Alagoas, Paraíba, Maranhão e forte
presença no Rio de Janeiro, estado onde biquíni é quase cartão-postal. Para conquistar
mais vendas no Sudeste e Sul do país, recentemente a Camboriú lançou uma loja
online, que está em formato soft open (ainda sendo testada) e foi resultado de
um investimento de R$ 15 mil. A marca também investiu mais R$ 15 mil em novas
máquinas no ano passado, uma preparação para crescer em 2017. “Não vamos
crescer e nem ter perdas em 2016, mas estamos positivos quanto aos próximos
anos. A reação vai ser lenta, mas vai acontecer e queremos estar preparados”.
Camboriú tem lojas físicas em Caruaru e Santa Cruz e começa, a trabalhar com
franquias.
Força no atacado de
confecções para público C, D e E
Com uma das maiores
produções de malhas do Nordeste, a Joggofi nasceu no início da década de 1990,
quando José Gomes Filho (Jo Ggo Fi), que era do interior de São Bento-PB,
chegou a Santa Cruz. Antes, ele trabalhava como contínuo em um banco, mas
percebeu potencial para confecções assim que chegou na nova cidade e logo
envolveu toda a família no trabalho. Eram calcinhas, bermudas, blusas e
camisas.
Hoje, a produção da
empresa chega a 110 mil peças por mês, as calcinhas saíram da carteia de vendas
e deram lugar a camisetas, vestidos e regatas, tudo de malha. Agora, a marca
abastece todos os nove estados do Nordeste com produtos voltados ao público C.
D e E. A fábrica atual tem mais de mil metros quadrados e 60 funcionários. Uma
nova unidade fabril já está a caminho com cinco mil metros quadrados. A fábrica
nova irá abrir 200 vagas de trabalho e aumentará a produção da empresa em 100%.
Ainda este ano, a Joggofi projeta seu próprio parque de energia solar. O forte
da Joggofi ainda é o atacado, sendo este o destino de 99% da produção, que é
revendida em toda a região.
Monnika Marikinha, filha
do criador da Joggofi, diretora operacional da marca, é um exemplo de como o
polo está tentando se profissionalizar. Ela aposta em continuar o legado da
família e está se preparando para isso. “Não é só ir todos os dias para a
fábrica. Tem que saber costurar, entender todas as etapas da produção e
distribuição e ainda se preparar formalmente e continuar com os treinamentos”.
A diretora ressalta também
que as redes sociais são o novo campo de expansão do polo. “A gente tem vendido
massivamente através do WhatsApp. Os clientes querem todo dia foto de roupa
nova, então essa tecnologia está mudando as operações dentro das empresas
daqui. Lançar coleção, por exemplo, está ficando ultrapassado porque, no
WhatsApp, todos os dias podem ser mostrados modelos novos. É uma nova fase para
todo o polo têxtil.”