''O bem do povo''

17 de agosto de 2017

Trabalho do Ceatox ajuda a salvar vidas de pessoas atacadas por animais peçonhentos e vítimas de intoxicação



O agricultor Geraldo Faustino, de 68 anos, estava na roça, no Sítio Logradouro, zona rural de Campina Grande, quando foi picado por uma jararaca, cobra do gênero bothrops. O agricultor foi socorrido e levado direto para o Centro de Informação e Assistência Toxicológicas (Ceatox) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que funciona dentro do Hospital de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga Fernandes, em Campina Grande. “Eu estava limpando mato e só senti a picada”, disse o agricultor, sob olhares de três alunos plantonistas do programa.

Ele recebeu toda a assistência, a medicação adequada e está prestes a receber alta médica. Geraldo Faustino é apenas um dos milhares de pacientes atendidos por ano pelo Ceatox. Criado há 13 anos como projeto de extensão do Departamento de Farmácia da Universidade Estadual, o Ceatox é referência na saúde na região e atende anualmente mais de 2.500 pacientes de Campina Grande e dos 223 municípios da Paraíba, além de Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Desde que foi fundado, o Ceatox já atendeu mais de 32.500 pacientes vítimas de exposições tóxicas em humanos provocadas por animais peçonhentos e não peçonhentos, medicamentos, agrotóxicos, drogas de abuso e domissanitários. E as estatísticas não param de subir, porque na esteira da expansão do mercado farmacêutico, o número de pessoas intoxicadas por medicamentos e picadas de cobras e escorpiões cresce a cada dia. Nessa época do ano, aumenta o número de pessoas que são picadas por esses animais peçonhentos. Tudo porque é no período de inverno que os animais saem das tocas para se esquentar nas casas. De maio a julho, chegaram no Ceatox 58 casos de pessoas picadas por cobras e 469 por escorpiões.

O Ceatox faz parte de uma rede de centros criada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Hoje essa rede é formada por 35 centros espalhados por todo o Brasil, dos quais dois estão na Paraíba (em Campina Grande, no Hospital de Emergência e Trauma, e em João Pessoa, no Hospital Laureano Wanderley). Em Campina, o Centro atende pessoas atacadas por animais peçonhentos como serpentes, aranhas, escorpião, lagarta, entre outros, além de vítimas de intoxicação por produtos químicos, medicamentos, alimentos, domissanitários e agrotóxicos, entre outras substâncias químicas.


Funciona com extensionistas do Programa de Bolsas de Extensão da UEPB e com três farmacêuticos, sendo um da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e dois da UEPB, Sayonara Lia Fook que coordena o serviço, e Nícia Stellita Da Cruz Soares, que é chefe do Departamento de Farmácia, além da médica Denise Nóbrega Pires, também do curso de Farmácia da Instituição.

O atendimento dos pacientes é feito por toda uma equipe clínica do hospital, formada por médicos e enfermeiros, sendo que o acompanhamento dos pacientes é uma tarefa dos estudantes bolsistas dos cursos de Farmácia, Enfermagem e Biologia. Antes, apenas estudantes de universidades públicas como a UEPB e a UFCG, podiam concorrer ao processo seletivo para atuar no Centro, mas nos últimos meses esse serviço foi aberto para estudantes de outras faculdades particulares, a exemplo da Maurício de Nassau e Unifacisa.

A seleção é feita no meio do ano e chega a durar até três meses. Geralmente no mês de junho acontece um curso preparatório, no qual os estudantes passam uma semana dentro do Hospital de Trauma assistindo aulas práticas com a equipe do Ceatox e vendo a realidade do ambiente hospitalar. “Esse é um requisito para fazer a prova escrita. Quem passar na prova começa a fazer um treinamento, que é o curso presencial” explicou a coordenadora. O estágio dura de seis meses a um ano. Atualmente, 20 estudantes bolsistas atuam como plantonistas do Ceatox, dos quais dez são da UEPB. Além disso, o programa conta com três enfermeiras mestrandas do Programa em Saúde Pública da Universidade Estadual.

Alusca Thaís de Sousa, por exemplo, é aluna do 9º período da Faculdade Maurício de Nassau e mestranda da UEPB. Para ela, trabalhar no Ceatox, dentro de uma estrutura hospitalar, tem sido uma experiência gratificante, pois lhe permite colocar em prática os ensinamentos de sala de aula. Valter Inácio de Lima e Anderson Melo também são estudantes de Farmácia da Nassau e encontraram no Centro a oportunidade para praticar os conhecimentos científicos. Os três visitam as enfermarias, acompanham os pacientes e ajudam na recuperação médica.

O Ceatox funciona como unidade de atendimento assistencial e de vigilância. Isso porque, após assistir os pacientes, o Centro faz a notificação do caso junto ao Sistema Nacional de Agrave de Notificação (SINAN). Os pacientes assistidos pela equipe do Ceatox podem ficar internados ou apenas serem medicados e liberados em seguida, dependendo da gravidade do caso (leve, moderado ou grave). Nos casos graves, o paciente fica no hospital para tomar o soro, fazer os exames e ter todo o acompanhamento necessário.


Picadas de escorpião e cobras lideram ocorrências


Embora os casos de picada de escorpiões e de cobras aumentem no período o inverno, esse tipo de animal ataca o ano inteiro, conforme destacou Sayonara. Em média, a equipe de Ceatox chega atender até três casos por dia. Por mês, esse número pode extrapolar os 60 atendimentos. A maioria das pessoas atacadas por cobras é de agricultores que trabalham na roça.

Os casos de intoxicação também cresceram de forma assustadora, aumentando o trabalho da equipe. Em cinco anos, o número de pessoas vítimas de intoxicação por medicamentos cresceu em 79,8% em Campina Grande. Em média, 800 pessoas são atendidas por ano apresentando quadro de intoxicação.

Ao contrário do que muitos podem pensar, nem sempre todos os casos de intoxicação atendidao no Ceatox são causados por acidentes ou exposição de agricultores a produtos químicos. Nos últimos meses, cresceu significativamente a quantidade de pessoas que chegaram intoxicadas ao Centro após tentativa de suicídio. Segundo Syonara, mais de 90% dos casos são tentativas de suicídio. A extensionista de Farmácia, Alusca Thaís, revela que as maiores vítimas são mulheres, principalmente jovens entre 17 a 23 anos.


Cuidados para evitar acidentes com animais peçonhentos

As dicas do Ceatox para as pessoas evitarem os acidentes com animais peçonhentos variam de acordo com cada caso e tipo de animal. No caso dos escorpiões, o segredo é combater as baratas, principal alimento deles. A picada do escorpião pode levar a óbito como aconteceu com dois casos registrados em Campina Grande nos últimos 10 anos. Quem guarda entulho de construção em casa ou material reciclável também tem mais chance de ser picado, além de pessoas que moram em casa sem laje no teto. Nesses casos, a dica é observar sempre as telhas da casa e passar uma vassoura.

Outra orientação é sempre para sempre que a pessoa for dormir verificar o travesseiro e o lençol. Também é aconselhável olhar os sapatos e a roupa que vai vestir, para ver se não tem um escorpião escondido. O maior cuidado, no entanto, é manter a casa limpa. Segundo a professora, o escorpião gosta tanto do tempo frio como do calor e se adapta bem em qualquer clima.

Não sendo possível evitar a picada, a orientação é para que não se aperte a área afetada, nem colocar gelo. O correto é lavar o local com água e sabão para evitar contaminação, elevar o membro e seguir imediatamente para o hospital. Se possível, os profissionais pedem que se leve também o animal que picou, vivo ou morto, pois fica mais fácil para o médico fazer a identificação e indicar o remédio para ser aplicado. Para as pessoas que têm quintal grande ou moram em sítios a dica é criar galinhas.


As pessoas atacadas por animais peçonhentos não devem praticar nenhum tipo de “simpatia”, como colocar borra de café, alho ou fazer incisões no membro, uma vez que para nenhuma dessas simpatias existe a comprovação científica. Os animais peçonhentos que chegam ao Ceatox são levados para Laboratório de Toxinas e Animais Peçonhentos (Labtox), criado dentro da estrutura do Departamento de Farmácia da UEPB e que funcionada no Hospital de Emergência e Trauma. Nesse laboratório, dois alunos extensionistas de Biologia fazem a identificação do animal. O soro antiofídico e o soro anti escorpião são produzidos por quatro laboratórios credenciados no Brasil: o Butantan, o Instituto de Pesquisa do Paraná, o Vital Brasil e o Ezequiel Dias. Toda a produção é comprada pelo governo e distribuída com os Ceatox.

O Ceatox também desaconselha a automedicação, que pode causar um quadro grave de intoxicação, além de mascarar sintomas de uma doença. Apesar da orientação, este tipo de problema tem sido recorrente. As principais vítimas são mulheres que tomam algum tipo de chá para abortar. O uso de medicamentos é a segunda maior causa de intoxicação verificada pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológicas.

A professora Sayonara Lia Fook ressalta que a automedicação ainda é o grande problema nos casos de pacientes com intoxicação causada por plantas. Segundo ela, engana-se quem acredita que tratamentos com plantas não oferecem riscos por serem naturais. Segundo Sayonara, o risco não está somente no uso da planta medicinal, mas principalmente na quantidade que é utilizada. “Os medicamentos sempre causarão reações boas ou ruins no corpo. Por isso é preciso uma regulagem das quantidades utilizadas. Por esta razão, para alguns casos são utilizados medicamentos de farmácias de manipulação, para que o mesmo tenha os componentes na medida certa para cada caso”, explicou.

O Ceatox – CG funciona em plantões ininterruptos por 24 horas, em todos os dias do ano. “O tripé da Universidade – que é o ensino, a pesquisa e a extensão – funciona muito bem no Ceatox e, no ensino, nós também temos um projeto junto com uma multinacional que tem como objetivo capacitar a atenção básica para atender as intoxicações e os acidentes por animais peçonhentos”, destaca professora Sayonara.

Texto: Severino Lopes
Fotos: Giuliana Rodrigues
Informações: http://www.uepb.edu.br/


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