O agricultor Geraldo
Faustino, de 68 anos, estava na roça, no Sítio Logradouro, zona rural de
Campina Grande, quando foi picado por uma jararaca, cobra do gênero bothrops. O
agricultor foi socorrido e levado direto para o Centro de Informação e
Assistência Toxicológicas (Ceatox) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB),
que funciona dentro do Hospital de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga
Fernandes, em Campina Grande. “Eu estava limpando mato e só senti a picada”,
disse o agricultor, sob olhares de três alunos plantonistas do programa.
Ele recebeu toda a
assistência, a medicação adequada e está prestes a receber alta médica. Geraldo
Faustino é apenas um dos milhares de pacientes atendidos por ano pelo Ceatox.
Criado há 13 anos como projeto de extensão do Departamento de Farmácia da Universidade
Estadual, o Ceatox é referência na saúde na região e atende anualmente mais de
2.500 pacientes de Campina Grande e dos 223 municípios da Paraíba, além de
Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Desde que foi fundado, o
Ceatox já atendeu mais de 32.500 pacientes vítimas de exposições tóxicas em
humanos provocadas por animais peçonhentos e não peçonhentos, medicamentos,
agrotóxicos, drogas de abuso e domissanitários. E as estatísticas não param de
subir, porque na esteira da expansão do mercado farmacêutico, o número de
pessoas intoxicadas por medicamentos e picadas de cobras e escorpiões cresce a
cada dia. Nessa época do ano, aumenta o número de pessoas que são picadas por
esses animais peçonhentos. Tudo porque é no período de inverno que os animais
saem das tocas para se esquentar nas casas. De maio a julho, chegaram no Ceatox
58 casos de pessoas picadas por cobras e 469 por escorpiões.
O Ceatox faz parte de uma
rede de centros criada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Hoje essa rede é formada por 35 centros espalhados por todo o Brasil, dos quais
dois estão na Paraíba (em Campina Grande, no Hospital de Emergência e Trauma, e
em João Pessoa, no Hospital Laureano Wanderley). Em Campina, o Centro atende
pessoas atacadas por animais peçonhentos como serpentes, aranhas, escorpião,
lagarta, entre outros, além de vítimas de intoxicação por produtos químicos,
medicamentos, alimentos, domissanitários e agrotóxicos, entre outras
substâncias químicas.
Funciona com
extensionistas do Programa de Bolsas de Extensão da UEPB e com três
farmacêuticos, sendo um da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e dois
da UEPB, Sayonara Lia Fook que coordena o serviço, e Nícia Stellita Da Cruz
Soares, que é chefe do Departamento de Farmácia, além da médica Denise Nóbrega
Pires, também do curso de Farmácia da Instituição.
O atendimento dos
pacientes é feito por toda uma equipe clínica do hospital, formada por médicos
e enfermeiros, sendo que o acompanhamento dos pacientes é uma tarefa dos
estudantes bolsistas dos cursos de Farmácia, Enfermagem e Biologia. Antes,
apenas estudantes de universidades públicas como a UEPB e a UFCG, podiam
concorrer ao processo seletivo para atuar no Centro, mas nos últimos meses esse
serviço foi aberto para estudantes de outras faculdades particulares, a exemplo
da Maurício de Nassau e Unifacisa.
A seleção é feita no meio
do ano e chega a durar até três meses. Geralmente no mês de junho acontece um
curso preparatório, no qual os estudantes passam uma semana dentro do Hospital
de Trauma assistindo aulas práticas com a equipe do Ceatox e vendo a realidade
do ambiente hospitalar. “Esse é um requisito para fazer a prova escrita. Quem
passar na prova começa a fazer um treinamento, que é o curso presencial”
explicou a coordenadora. O estágio dura de seis meses a um ano. Atualmente, 20
estudantes bolsistas atuam como plantonistas do Ceatox, dos quais dez são da
UEPB. Além disso, o programa conta com três enfermeiras mestrandas do Programa
em Saúde Pública da Universidade Estadual.
Alusca Thaís de Sousa, por
exemplo, é aluna do 9º período da Faculdade Maurício de Nassau e mestranda da
UEPB. Para ela, trabalhar no Ceatox, dentro de uma estrutura hospitalar, tem
sido uma experiência gratificante, pois lhe permite colocar em prática os
ensinamentos de sala de aula. Valter Inácio de Lima e Anderson Melo também são
estudantes de Farmácia da Nassau e encontraram no Centro a oportunidade para
praticar os conhecimentos científicos. Os três visitam as enfermarias,
acompanham os pacientes e ajudam na recuperação médica.
O Ceatox funciona como
unidade de atendimento assistencial e de vigilância. Isso porque, após assistir
os pacientes, o Centro faz a notificação do caso junto ao Sistema Nacional de
Agrave de Notificação (SINAN). Os pacientes assistidos pela equipe do Ceatox
podem ficar internados ou apenas serem medicados e liberados em seguida,
dependendo da gravidade do caso (leve, moderado ou grave). Nos casos graves, o
paciente fica no hospital para tomar o soro, fazer os exames e ter todo o
acompanhamento necessário.
Picadas de escorpião e
cobras lideram ocorrências
Embora os casos de picada
de escorpiões e de cobras aumentem no período o inverno, esse tipo de animal
ataca o ano inteiro, conforme destacou Sayonara. Em média, a equipe de Ceatox
chega atender até três casos por dia. Por mês, esse número pode extrapolar os
60 atendimentos. A maioria das pessoas atacadas por cobras é de agricultores
que trabalham na roça.
Os casos de intoxicação
também cresceram de forma assustadora, aumentando o trabalho da equipe. Em
cinco anos, o número de pessoas vítimas de intoxicação por medicamentos cresceu
em 79,8% em Campina Grande. Em média, 800 pessoas são atendidas por ano
apresentando quadro de intoxicação.
Ao contrário do que muitos
podem pensar, nem sempre todos os casos de intoxicação atendidao no Ceatox são
causados por acidentes ou exposição de agricultores a produtos químicos. Nos
últimos meses, cresceu significativamente a quantidade de pessoas que chegaram
intoxicadas ao Centro após tentativa de suicídio. Segundo Syonara, mais de 90%
dos casos são tentativas de suicídio. A extensionista de Farmácia, Alusca
Thaís, revela que as maiores vítimas são mulheres, principalmente jovens entre
17 a 23 anos.
Cuidados para evitar
acidentes com animais peçonhentos
As dicas do Ceatox para as
pessoas evitarem os acidentes com animais peçonhentos variam de acordo com cada
caso e tipo de animal. No caso dos escorpiões, o segredo é combater as baratas,
principal alimento deles. A picada do escorpião pode levar a óbito como
aconteceu com dois casos registrados em Campina Grande nos últimos 10 anos.
Quem guarda entulho de construção em casa ou material reciclável também tem
mais chance de ser picado, além de pessoas que moram em casa sem laje no teto.
Nesses casos, a dica é observar sempre as telhas da casa e passar uma vassoura.
Outra orientação é sempre
para sempre que a pessoa for dormir verificar o travesseiro e o lençol. Também
é aconselhável olhar os sapatos e a roupa que vai vestir, para ver se não tem
um escorpião escondido. O maior cuidado, no entanto, é manter a casa limpa.
Segundo a professora, o escorpião gosta tanto do tempo frio como do calor e se
adapta bem em qualquer clima.
Não sendo possível evitar
a picada, a orientação é para que não se aperte a área afetada, nem colocar
gelo. O correto é lavar o local com água e sabão para evitar contaminação,
elevar o membro e seguir imediatamente para o hospital. Se possível, os
profissionais pedem que se leve também o animal que picou, vivo ou morto, pois
fica mais fácil para o médico fazer a identificação e indicar o remédio para
ser aplicado. Para as pessoas que têm quintal grande ou moram em sítios a dica
é criar galinhas.
As pessoas atacadas por
animais peçonhentos não devem praticar nenhum tipo de “simpatia”, como colocar
borra de café, alho ou fazer incisões no membro, uma vez que para nenhuma
dessas simpatias existe a comprovação científica. Os animais peçonhentos que
chegam ao Ceatox são levados para Laboratório de Toxinas e Animais Peçonhentos
(Labtox), criado dentro da estrutura do Departamento de Farmácia da UEPB e que
funcionada no Hospital de Emergência e Trauma. Nesse laboratório, dois alunos
extensionistas de Biologia fazem a identificação do animal. O soro antiofídico
e o soro anti escorpião são produzidos por quatro laboratórios credenciados no
Brasil: o Butantan, o Instituto de Pesquisa do Paraná, o Vital Brasil e o
Ezequiel Dias. Toda a produção é comprada pelo governo e distribuída com os
Ceatox.
O Ceatox também
desaconselha a automedicação, que pode causar um quadro grave de intoxicação,
além de mascarar sintomas de uma doença. Apesar da orientação, este tipo de
problema tem sido recorrente. As principais vítimas são mulheres que tomam
algum tipo de chá para abortar. O uso de medicamentos é a segunda maior causa
de intoxicação verificada pelo Centro de Informação e Assistência
Toxicológicas.
A professora Sayonara Lia
Fook ressalta que a automedicação ainda é o grande problema nos casos de
pacientes com intoxicação causada por plantas. Segundo ela, engana-se quem
acredita que tratamentos com plantas não oferecem riscos por serem naturais.
Segundo Sayonara, o risco não está somente no uso da planta medicinal, mas
principalmente na quantidade que é utilizada. “Os medicamentos sempre causarão
reações boas ou ruins no corpo. Por isso é preciso uma regulagem das
quantidades utilizadas. Por esta razão, para alguns casos são utilizados
medicamentos de farmácias de manipulação, para que o mesmo tenha os componentes
na medida certa para cada caso”, explicou.
O Ceatox – CG funciona em
plantões ininterruptos por 24 horas, em todos os dias do ano. “O tripé da
Universidade – que é o ensino, a pesquisa e a extensão – funciona muito bem no
Ceatox e, no ensino, nós também temos um projeto junto com uma multinacional
que tem como objetivo capacitar a atenção básica para atender as intoxicações e
os acidentes por animais peçonhentos”, destaca professora Sayonara.
Texto: Severino Lopes
Fotos: Giuliana Rodrigues
Fotos: Giuliana Rodrigues
Informações: http://www.uepb.edu.br/